Data Marcada
Tudo deu certo, exatamente como ele havia planejado.
Aquele encontro, aquele momento, foi cuidadosamente arquitetado. Mas, como deveria ser um segredo, foi muito difícil planejar para que tudo pudesse funcionar. Sem interrupções. Sem ser descoberto.
E não é um segredo porque ele não gostaria de contar. Ele até tentou falar sobre esse dia com algumas pessoas, mas elas não entenderam. Disseram que ele não deveria pensar nisso, que ele não deveria ir para qualquer lugar fazer o que faria naquele dia. Então, por isso, ele não podia contar. E entendeu: se quisesse realizar aquele plano, teria que ser sozinho. Em silêncio e em segredo.
Do marido, dos irmãos, dos amigos. Isso não seria fácil.
A parte mais importante e mais difícil desse dia seria o local para este encontro. Não poderia ser em sua casa. Seu marido poderia encontrá-lo e tudo iria por água abaixo. Haveria um susto, um desespero, uma comoção descontrolada. Não acreditava que haveria uma discussão inicialmente, mas depois poderia haver, sim, e ele não estava disposto. Nem a discutir, nem a ter esse momento interrompido pelo marido.
Locais públicos também foram descartados, apesar de haver vários em sua cidade que possibilitariam esse encontro. Porém, nesses locais haveria outras circunstâncias, outros tipos de situação que ele não estava disposto a enfrentar. Também, ele é uma pessoa muito conhecida em sua cidade, correria o risco de ser reconhecido, de ser encontrado, de chegarem a ele durante o encontro. E isso poderia estragar tudo.
Então, ele já sabia: precisava organizar tudo em outra cidade. E que não fosse um local público. Precisava ser algo reservado, íntimo, restrito. Sigiloso. Algo que pudesse ser preparado para que aquele encontro fosse perfeito. Para que tudo corresse exatamente como ele planejou. Para que ele pudesse organizar todos os detalhes, como vinha sonhando há tanto tempo. Como vinha aperfeiçoando há tantos anos. E agora, agora sim, parecia tão possível.
A primeira parte de sua preparação era encontrar um motivo para ir a outra cidade. Ele não podia simplesmente dizer ao marido que iria para outra cidade sozinho, passar um final de semana todo, sem uma razão aparente. O marido iria querer ir junto, iria questionar as razões para que ele fosse só, não seria tão simples assim.
A empresa em que trabalhava tinha escritórios e filiais em várias cidades do entorno da sua, em um raio de 200 km. Cidades grandes, cidades pequenas. E era em alguma dessas pequenas que ele gostaria de realizar o encontro.
Ele, muito envolvido com os processos de sua empresa, pediu ao seu superior se seria possível fazer visitas aos demais escritórios. Para entender como estão os métodos de trabalho, fazer trocas de experiências. Desenvolver um projeto de melhoria da gestão de sua área a partir das vivências das demais filiais. Seu superior sorriu, agradeceu a proatividade e o apoiou. É claro que sim, isso é uma ideia excelente. Será muito produtivo para a empresa.
Anunciou ao marido que havia sido selecionado pela empresa para fazer um projeto, visitando as filiais das cidades pequenas para entender como estão os processos, para tentar padronizar a atuação da empresa. Disse ao marido que não tinha gostado do pedido, mas que precisava do emprego e teve que acatar. O marido abraçou-o, disse que era uma grande oportunidade de aprendizado e de crescimento profissional, e que ele com certeza deveria fazer essas viagens.
E assim ele fez.
A primeira viagem aconteceu quinze dias depois. Ele foi em uma terça-feira e retornou em uma quinta-feira. Conversou com os colegas, fez levantamentos, propôs reuniões de troca de experiências, brainstorms. Os colegas adoraram a sua presença e agradeceram por sua prestatividade.
Durante três meses, a cada quinze dias ele estava em uma filial diferente. De dois a três dias por filial. Trabalhava durante todo o horário comercial. Após o horário comercial, sempre dizia que precisava voltar ao hotel para desenvolver um relatório do dia, apesar dos pedidos constantes dos colegas distantes para fazerem um happy hour. Mas ele não podia.
Precisava fazer rondas nas cidades, verificar se havia lugares que alugavam cabanas, ou casas mais afastadas para Airbnb. Eram esses os locais que ele procurava para realizar o encontro exatamente da forma que havia imaginado.
Na sexta cidade, ele encontrou.
Uma espécie de camping, que além do amplo espaço para barracas, também tinha pequenas cabanas de madeira que pareciam quitinetes. Quarto, sala e cozinha conjugados. Apenas o banheiro separado.
Pediu para visitar uma delas. Um dos recepcionistas o acompanhou. Ele verificou tudo. A qualidade da cama. Da geladeira. Do fogão a gás. Da conexão de internet. Se as cortinas tinham blackout. Se as janelas e portas tinham boa vedação.
As cabanas eram bastante novas, estavam em excelente estado. Exatamente como ele havia planejado.
Reservou para dali a dois sábados.
Dois dias após voltar dessa viagem, ao retornar para casa do trabalho, disse ao marido que haveria uma reunião atípica em uma das filiais de cidade grande. Que a viagem seria no sábado, pois haveria um encontro de liderança dos demais escritórios para um grande alinhamento, que na segunda-feira pela manhã haveria outra reunião, e que aproveitaram o domingo para fazer uma confraternização da empresa. Disse ao marido que odiou ter que passar um final de semana longe dele. Mas, novamente, o marido acalmou-o e disse que seria uma única vez. Que eles teriam vários outros para passar juntos.
Após uma semana e meia, chegou o dia de sua viagem.
Apesar de ter passado toda a noite em claro, ansioso, no momento em que entrou no carro uma paz invadiu seu corpo. Ele sabia que, mesmo estando fazendo algo escondido, que todos reprovariam e tentariam fazê-lo mudar de ideia, aquilo era o certo a se fazer. Que aquele encontro, adiado há tantos anos, deveria acontecer. Principalmente agora, que ele sabia exatamente como executá-lo. Que ele havia encontrado as circunstâncias perfeitas para que acontecesse sem interrupções, sem julgamentos. Agora era a hora certa.
Levava cerca de uma hora e quarenta até chegar ao camping. Pediu a chave da cabana na recepção.
Foi até a cabana. Mandou mensagem de voz ao marido, dizendo que havia chegado e que ficaria incomunicável algumas horas, devido à reunião. Disse que o amava muito.
Ligou seu computador. Revisou todos os textos que deveria agendar em seu e-mail. Leu todas as 10 cartas novamente, com calma, para saber se não havia esquecido de nenhum detalhe. Agendou-os para quatro horas depois.
Havia chegado o momento.
O encontro que ele havia planejado e sonhado há tanto tempo iria acontecer.
Verificou se a porta estava fechada, e também fechou todas as janelas.
Pegou todas as toalhas e colchas da cabana.
Apesar da boa vedação, colocou as toalhas nas frestas das portas e das janelas por precaução.
Estendeu a colcha perto do fogão.
Encheu um copo de água.
Tomou 6 comprimidos do antialérgico extremamente forte que trouxera.
Desconectou a mangueira do botijão.
Deixou o gás preencher os vazios da cabana.
Deitou-se sobre a colcha estendida.
Adormeceu.